Ir. Inacio Nestor Etges, fms
Cochabamba – Bolívia – julho 2024

PREMISSA

O carmelita, biblista, Frei Carlos Mesters usa uma chave de leitura peculiar para interpretar os textos bíblicos. Mutatis mutandi, usamos a mesma chave de leitura para situarmos a Vida Consagrada Religiosa, na perspectiva da Antropologia da Vocação Cristã, cuja primeira e insuperável missão é a de SER. SER sinal visível de um modo de vida mais aproximado do sonho do Criador sobre suas criaturas. SER memória do sonho, do rosto, da presença do Criador no mundo. SER memória do verdadeiro, do autêntico destino da pessoa humana. SER testemunha viva e vibrante daquilo que, de fato, é Absoluto (profecia, como anúncio) e relativizar o que é proposto como absoluto pelo mundo (profecia, como denúncia). Mostrar que o absoluto do mundo é provisório e transitório e que existe um Outro Absoluto, que é o Primado do Totalmente Outro.  Em outras palavras, reestabelecer ou, ao menos, ser consciência e memória da verdadeira ordem, na desordem que a criatura criou.

Toda a parábola, “texto”, foi narrada e está destinada a um “contexto” e tem um “pretexto”, uma intencionalidade. Vivemos num “contexto” histórico globalizado, tumultuado em que impera a autorreferencialidade, a cultura da indiferença, da espetacularização, do narcisismo cultural, do consumismo, do efêmero e do descarte.  Vivemos neste “contexto externo”, interpessoal, na “aldeia global” (Marshall McLuchan), com esta “filosofia de vida” predominante. De outra parte cada um de nós vive um “contexto interno”, intrapessoal, com sua história única e irrepetível, de encontros e desencontros, encantos e desencantos, de desejos, sonhos e limites, de valores e necessidades, de vulnerabilidades e potencialidades, habitado de significados e contradições, de lacunas e vazios existenciais.

Os dois contextos formam um dinamismo próprio, interconectados, com influências recíprocas e consequências no modus vivendi da consagração batismal e da vida consagrada em âmbito pessoal, comunitário, institucional e global. O “texto” – a identidade do cristão e do consagrado, – pode ser influenciado diretamente pelos “contextos” citados. O “texto” sinaliza um “pretexto”, uma intencionalidade, uma finalidade, um significado. O “texto” pode perder sua originalidade, sua vitalidade, sua identidade, se houver maior ou menor influência de qualquer um dos “contextos”.

Para clarificar melhor, um exemplo pode nos ajudar. Uma pessoa (texto) com forte dependência afetiva, baixa autoestima ou problema de autoridade não resolvido (contexto intrapessoal), estará mais propensa a buscar os aspectos gratificantes em detrimento da vivência objetiva da consagração. Na ação de ajudar pode haver a intenção de dar para receber, ainda que de modo inconsciente. Este “contexto interno, intrapessoal” fragilizado e com liberdade interior limitada, tende sofrer e ser fortemente influenciado pelos potentes apelos do “contexto externo” com tendência robusta na adesão ao que é gratificante em detrimento aos valores essenciais da consagração religiosa. Cria-se uma tensão dialética potente entre a gratificação das “necessidades dissonantes inconscientes” com os “Valores objetivos e revelados” do seguimento de Jesus Cristo. Estrutura-se um coração dividido, que, de modo inconsciente, precisa servir a “dois senhores”.  Estabelece-se, assim, um círculo vicioso, imperceptível, com gradual e crescente desencantamento da escolha de vida feita um dia. Desta forma “o texto” (a parábola – a pessoa) sinalizará descontentamento, inconformidade, “azedume” na própria comunidade como também no “contexto externo” (na missão). Aquilo que deveria ser vigor, convicção, autenticidade, dinamismo, acaba sendo ambiguidade, presença sem brilho e luz “tremula” quase apagando.

Também daqui podem surgir opções por fundamentalismos, ideologias, vaidades pessoais, ou narcisismos institucionais, muitas vezes contrários às opções conscientes feitas no passado. Pode travar-se uma luta interna formidável (luta psicológica): em nível consciente se deseja uma coisa e em nível inconsciente se deseja o oposto. Em palavras simples, conscientemente a pessoa quer se curar de uma doença, mas, inconscientemente, não; porque, se estiver curada, perde as gratificações e os ganhos secundários.

Fica bem clara a intencionalidade, o “pretexto” do “contexto intrapessoal inconsistente” que está mais para a gratificação pessoal (importante para mim) do que para realizar o bem em si mesmo (importante em si), isto é, mais voltado ao bem aparente do que ao bem real. Nesse caso, a finalidade e a intencionalidade do “texto” (a pessoa) perdem o vigor, a visibilidade e a exuberância como sinal do Reino, e passa a ser um sinal ambíguo. Para ser sinal inteligível do Reino, é preciso ter em conta alguns aspectos específicos.

  1. A Vida Consagrada e a vida cristã, chamadas a serem parábola viva do Reino

Há uma bela expressão para definir a Vida Consagrada: ser parábola (“texto”). A pessoa-parábola, a comunidade-parábola, a instituição-parábola, … A História da Vida Consagrada é entendida como uma parábola narrada pelo Espírito no decurso do tempo. Cada um de nós, cada comunidade, cada instituição é um elemento integrante da parábola. A vida religiosa é um carisma de significação e de representação dentro da Igreja e do mundo. É um carisma de ícone. É nessa perspectiva que a constituição Lumen Gentium, n° 44, fala da identidade da vida religiosa. Aparece como sinal diante de todos os membros da Igreja, um sinal da escatologia em sua dupla dimensão de presente e de futuro, um sinal do Reino. Assim mesmo, a Vida Consagrada tem uma função representativa: é memória viva da “forma vitae” que assumiu o Filho de Deus e demonstra a todos os homens o senhorio de Jesus Cristo e o poder do Espírito, que atuam vivamente na Igreja.

A função essencial da Vida Consagrada é o significar. Esse é, ao mesmo tempo, o seu grande desafio. Existem formas de ser e de fazer que não são significativas dentro dos contextos humanos e culturais em que vivemos. E não é somente questão de ser, mas de parecer e de comunicar através da aparência. Há outra categoria diferente da do sinal que se introduziu na Vida Consagrada e adquiriu uma enorme importância. É a categoria da eficiência. Muitos se puseram, com todas as forças, a serviço de uma vida religiosa eficiente, na tentativa de ser um verdadeiro instrumento de transformação social e eclesial. Pensaram uma vida religiosa instrumento, como se sobre ela devesse recair todo o trabalho que os outros não realizam. É frequente escutar religiosos queixando-se do cansaço que lhes causa o trabalho. A vertigem da instrumentalidade e do pragmatismo nos tenta de formas muito sutis que nos tornam reféns do “importante para mim” (Von Hildebrand). A categoria do símbolo aplicada à vida religiosa é, entretanto, estática ou demasiado genérica.

Para melhor compreender a Vida Consagrada é preciso colocá-la na categoria de parábola. Parábola fala de sinais dinâmicos, representativos. Na parábola há uma trama, um diálogo de diferentes significados. Por isso, parece mais oportuno especificar a dimensão significativa, falando da vida religiosa como parábola.

A ideia é bem sugestiva. E, além disso, está carregada de consequências. Entretanto, temo que não vão por aí nossos projetos, nossas ações apostólicas. Caímos, frequentemente, na armadilha do “eficientismo”. Pensamos em brindar a sociedade com um bom colégio, um bom hospital, um bom serviço. E, por “bom”, entendemos eficiente. Julgamos a eficiência por seus resultados. Outra coisa é erguer um “colégio-parábola”, um “hospital-parábola”, uma “paróquia-parábola”. E parábola do Reino, logicamente! Assim eram as parábolas de Jesus. Assim devem ser as parábolas do Espírito (cf. José Cristo Rey García Paredes, 2005).

  1. As parábolas narradas nos Evangelhos

As parábolas narradas nos Evangelhos têm sempre, em sua estrutura, elementos de “choque”. A uns exasperam, a outros enaltecem. Denunciam e anunciam. Subvertem a ordem das coisas. Exageram a gratuidade, o perdão, a reconciliação. Todas elas estão projetadas para o futuro que virá, não para o passado ou para o presente, que desqualificam. Nas parábolas, o projeto do Pai é sempre o ponto de partida e de chegada. Cada parábola tende a mostrar algo bem específico, uma verdade, um “modus vivendi” que o Criador quer que sua criatura viva. As parábolas pautam o modo, os critérios que devem reger a relação da criatura com as criaturas, da criatura com o Criador e da criatura com as coisas criadas, a “casa comum”.

Reverter nossas atividades e obras apostólicas em parábolas do Reino exige voltar para nossas origens carismáticas, em que a educação, o serviço aos enfermos, a atenção aos marginalizados, era uma parábola dentro da sociedade. Hoje nossa sociedade necessita de “novas parábolas”: em favor de uma humanidade não discriminadora, que não valorize a pessoa somente por sua capacidade intelectual, ideias religiosas, educação, dinheiro, poder social. Parábolas que falem de Deus com a linguagem de nossos contemporâneos; do Deus que faz sair seu sol sobre bons e maus, que deixa sempre aberta a porta da casa para o filho pródigo. Ser parábola e realizar parábolas do Espírito é uma árdua tarefa. Será esse o nosso grande projeto de missão para o futuro? Creio que sim! Porém, teremos que estar dispostos a pagar o preço (cf. José Cristo Rey García Paredes, 1991, p. 300-2).

  1. A Vida comunitária como parábola

A Vida Consagrada como parábola do Reino é visibilizada pelas qualidades evangélicas de sua vida comunitária. Neste item, faço uso livre do escrito de Lourenço Kearns, Teologia da Vida Consagrada e de alguns pontos do Sínodo da Sinodalidade:

4.1 Uma comunidade acolhedora

Significa a capacidade de aceitar, acolher e respeitar a totalidade dos membros da comunidade. É fácil acolher o que nos agrada no outro. A dificuldade começa quando precisamos confrontar-nos com o diferente que existe no outro. Podemos nos sentir ameaçados, inseguros diante da maneira diversa de pensar, ser e agir. É surpreendente descobrir, a cada dia, que um precisa do outro; que o santo que está em nós é menos santo se não aprendermos a viver com o pecador que habita em nós e no outro. É preciso apreciar a manifestação de Deus no outro. Podemos ter uma grande experiência de Deus, contemplando o diferente que existe no outro, porque é nisso que o Criador se manifesta. Na comunidade há o encontro do santo e do pecador que coexistem em cada um e que interage com os outros.

A comunidade consagrada é tudo, menos um clube de aristocratas do espírito. A leitura do livro “Teologia da Vida Consagrada”, nos incita para o caminho da autenticidade.  Como diz Lonergan (Método in Teologia): termos a consciência clarividente de que sempre “nos é proposto o caminho de “deixar ir” a inautenticidade, para “deixar entrar”, cada vez mais, a autenticidade”.  Em palavras simples, sermos pessoas dinâmicas, livres interiormente, com iniciativa e com boa contrarreação para abandonar o caminho do agradar uns aos outros, ou de perfeitos que nunca têm nada do que se queixar ou se perdoar mutuamente. Por outro lado, não é um grupo de penitentes mais ou menos deprimidos, ou de impenitentes que vivem mais ou menos na indiferença, inconscientes atores de um psicodrama coletivo que se repete sempre da mesma forma, para que a pessoa permaneça o que é, sem esperança, nem vontade de mudar.

Para mudar é preciso, em primeiro lugar, admitir que nos sentimos ameaçados pelo diferente que existe no outro. Não podemos fugir dessa realidade. Em segundo lugar, em espírito de oração, é necessário buscar um confronto, com a sensação de estarmos sendo ameaçados, para descobrir que, em geral, ela não tem nenhum fundamento. É necessária muita honestidade conosco mesmos, para nos confrontar com a ameaça e chegar à libertação. É necessária uma grande pobreza e humildade para perceber que precisamos de libertação.

 

4.2 Uma comunidade perdoante

“Uma comunidade religiosa é um ‘bando de imperfeitos’ tentando viver o perfeito” (Kearns, 2002, p. 40). Sendo imperfeitos, querendo ou não, consciente ou inconscientemente, geramos tensões e conflitos. Essa também foi a realidade da comunidade dos apóstolos, reunidos em torno de Jesus. Havia conflitos entre eles, luta por poder, competição, infidelidade, traição. A comunidade perfeita não existe e nunca vai existir, porque os membros são imperfeitos e sua imperfeição, até o pecado, cedo ou tarde vai aparecer. Nossa realidade comunitária é um jogo entre momentos de paz e momentos de profunda desilusão. Desilusão conosco mesmos quando não vivemos plenamente a consagração e causamos sofrimento aos outros. Existe a possibilidade de, diante dessa situação, empreender dois caminhos:

  • do fechamento – da condenação, da reclamação crônica contra os outros, dos conflitos – geradores de discórdia e tensão – e da atitude decidida de não querer esquecer o outro nem perdoá-lo. O Papa Francisco assim se expressa ao dirigir-se aos consagrados/as: “Um dos pecados que muitas vezes encontro na vida comunitária é o da incapacidade de perdão entre os irmãos e irmãs. A fofoca numa comunidade impede o perdão e distancia um dos outros. Eu gosto de dizer que fofocar não é somente pecado, mas é também terrorismo, porque quem fofoca joga uma bomba na fama do outro, destrói o outro que não pode se defender. Sempre se fofoca na escuridão, não na luz. A escuridão é o reino do diabo. A luz é o Reino de Jesus”. “É a opção por viver o “inferno” do não perdão, que deixa a pessoa azeda e desagradável” (Kearns, 2002, p. 40);
  • do perdão – somente um perdão autêntico e cristão pode libertar-nos de nossas mágoas do passado. O perdão tira o nosso ofensor de uma condição de “morte”, para oferecer-lhe o dom da ressurreição. Normalmente o perdão não se dá de uma vez; trata-se de um processo.
    • Uma comunidade de conversão

Optamos, livremente, por assumir o processo de conversão em nossa comunidade como algo essencial e necessário. É uma profunda abertura para acolher novas maneiras de pensar, ser, agir, de querer, diante dos apelos do Espírito que nos fala através do Evangelho, da liturgia e da vida. Meios: momentos de oração e de silêncio; revisão de vida; leitura e estudo; confronto pessoal e comunitário com as Constituições, como regra de vida.

  • Uma comunidade dialogante e sinodal

 

O Sínodo da Sinodalidade trouxe um contributo importante em termos de maturidade metodológica para possibilitar um verdadeiro discernimento comunitário, eclesial e institucional. Foi denominado como “conversa espiritual” por alguns, mas oficialmente ficou conhecido como “Conversação no Espírito” – uma dinâmica de discernimento na Igreja sinodal.  Aplica-se perfeitamente para a vida comunitária para tomada de decisões como também de partilha de vida.  Por questão de brevidade deste texto, remeto a consulta e as leituras seguintes: “2º. Encontro virtual de Assessores da CVX – Brasil (19/08/2023”),   disponível para download in https://cvx.org.br/segundo-encontro-virtual-de-assessores/ ; também o artigo: “ O diálogo no Espírito – Uma dinâmica de discernimento na Igreja Sinodal”, disponível para download in www.synod.va>infografics>conversatio e o artigo:  “Cuidar la dimensión relacional. El arte de ser hermanas y Hermanos”, Hna. Teresa Maya, ccvi, (Revista CLAR, Año LXI – no. 4/Octubre-Diciembre 2023, pg. 40-65 – disponível para download in www.clar.org). Estes artigos mencionados dão uma dimensão precisa do que vem a ser a “Conversação no Espírito”, fundamental para estabelecer uma dinâmica dialogal saudável e consistente numa comunidade de consagrados/as.

 

 

  1. Viver a gratuidade do amor de Deus

A comunidade religiosa tem por finalidade fornecer meios e ambiente minimamente saudável e adequado para que seus membros possam experimentar o amor de Deus em suas vidas e responder a esse amor. Não é a comunidade que faz crescer seus membros, mas ela oferece ambiente suficientemente adequado para cada membro, com liberdade, empreenda a “aventura” do protagonismo de seu crescimento humano, emocional, espiritual e carismático. Essa comunidade precisa propiciar momentos de encontro comunitário com Deus, pela liturgia, e celebrar esse amor e o processo de salvação no qual e por meio do qual Deus atua na comunidade. É uma comunidade que vive na pele a Providência Divina. É uma comunidade que vive a gratidão de maneira profética e litúrgica (cf. L. Kearns, 2002; J. L. de Oliveira, 2001; e A. Cencini, 2003).

  1. Revitalização da Vida Consagrada

A comunidade interpreta e encarna a revitalização da Vida Consagrada que é terapia para o mundo (Cencini) à medida que:

  • passa da lógica da observância à lógica da comunhão: visa não só “fazer o bem”, mas também “querer o bem” dos seus membros, numa fraternidade na qual o componente afetivo-agápico se une fortemente com o apostólico;
  • aprende e ensina a viver, em seu interior:

– a partilha do pão (dos bens, dons, talentos, potencialidades, tempo,…);

– a partilha do afeto (favorece o desenvolvimento de vínculos de afeto que levam, cada vez mais, a uma comunhão de sentimentos e de desejos, de projetos e de ideais; não é dinâmica de gratificação da dependência afetiva, mas paixão pelo Reino de Deus);

– a partilha espiritual e da fé (evidente na vida de Jesus, que entra no coração de quem o escuta, depositando aí os seus sentimentos; é a participação no conhecimento que o Filho tem do Pai e nos mistérios do Reino). Graças a essas partilhas cada membro oferece apoio ao outro no caminho desafiador da vida e da consagração, e se elabora, em conjunto, um projeto para se viver de maneira evangélica e de acordo com o carisma recebido, como um dom (cf. A. Cencini, 1998).

  • recupera o sentido da hospitalidade e do acolhimento, como dimensão natural da Vida Consagrada, e, sobretudo, como disponibilidade em participar da vida dos outros, deixando de lado qualquer regime de separação.
  • é escola de fé, é parábola do Evangelho no mundo, sem se nivelar e adotar os mesmos critérios éticos praticados pelo mundo; é a boa, animadora e esperançosa notícia; é memória permanente do sonho do Criador sobre o mundo criado.
  • é signum fraternitatis colocado no alto monte de um testemunho luminoso e sedutor, sem perder a consciência permanente de que o santo e o pecador convivem em cada um de nós e que somos necessitados de um processo permanente de conversão.
  • é experiência da utopia da primeira comunidade dos fiéis (“um só coração e uma só alma” – At 4, 32) e que poderá tornar-se realidade; e a fraternidade religiosa poderá continuar cantando, em voz alta, sem nenhum acanhamento, diante de um mundo que perdeu o sentido, mas não a nostalgia da fraternidade (A. Cencini, 1998, p. 19).
  • se inspira no modelo familiar, nas formas de moradia, na organização dos relacionamentos internos, nas relações com o ambiente externo, na recuperação das dimensões normais da vida cotidiana (afazeres domésticos, cuidados com a casa, ritmo inteligente na organização do dia).
  • se enraíza tão profundamente no lugar, que aceita as provocações que chegam do ambiente em que a comunidade está inserida.
  • o seu estilo e vida torna-se testemunho luminoso e contagiante da beleza de Deus e do seguimento de Jesus.

Conforme lemos no documento Vita Consecrata, a vida consagrada é convocada a ser EPIFANIA do Amor de Deus no mundo (Cf. nos. 72-78).

  1. Edificação da comunidade

Edificar a comunidade significa construí-la. A comunidade é corresponsabilidade de cada um com todos. Viver em comunidade significa ser continuamente gerado por ela e, ao mesmo tempo, ser gerador dela. Esse gerar a comunidade – ou aceitá-la para edificá-la – é um verdadeiro e próprio ministério. Quem não é edificado ou não se sente edificado pela própria comunidade e, por sua vez, não a edifica, dificilmente poderá construir fraternidade em torno de si e fora da sua comunidade.

É necessário preparar as pessoas para serem construtoras e não consumidoras da comunidade; para serem responsáveis uma pelo crescimento da outra, para estarem abertas e disponíveis a receber o dom da outra, capazes de ajudar e serem ajudadas (cf. Documento Vida Fraterna em Comunidade, n° 24). A pessoa madura no relacionamento sabe que a comunidade será do jeito que ela a fizer: quem não estiver convencido disso, ainda não começou a percorrer o caminho que exige compromisso com a maturidade relacional. Quem vive em comunidade deve ser um tecelão de relacionamentos saudáveis. Isso requer que se acredite na importância da relação e na possibilidade de estabelecê-la e restabelecê-la continuamente. Quem quiser construir a comunidade deve ter a certeza de que é possível restabelecer a relação e nunca desistir diante das dificuldades de relacionamento. Ninguém pode pretender que não existam essas dificuldades. Seguramente, relações dentro da comunidade são como uma rede de pescaria, na qual cada nó representa um membro do grupo. Quando se interrompe a comunicação entre dois membros é como se um fio da rede se partisse, aparecendo um buraco que a torna imprestável para a sua função. A comunidade, quando não se comunica de forma livre, é incapaz de gerar fraternidade. É importante que, na comunidade, haja pessoas capazes de tecer e de restabelecer, com paciência, os relacionamentos interrompidos; e de preencher os vazios deixados pela falta de comunicação.

Todos deveriam tornar-se especialistas nessa nobre e misericordiosa arte de consertar redes e de ser pacientes construtores de pontes. Quem compreende a verdade do ser humano está dentro do âmbito relacional. É no amor que se compreende que a lógica relacional é a da morte e ressurreição. Se existe alguém isolado ou excluído da comunicação, não existe comunhão! É preciso ter vontade de tecer relacionamentos e disponibilidade para compartilhar relações significativas. A condição para que isso ocorra é que haja liberdade interior de cada um dos membros, pois isso abre a possibilidade de relação com todos, sem ser seletivo e garantindo autenticidade nos relacionamentos, dentro e fora da comunidade.

Outro elemento importante é servir a comunidade. Isso significa sentir a comunidade como a verdadeira e própria família, “como mãe que nos gerou para uma vida nova”, marcada pelo dom do carisma como revelação da nossa identidade. Servir os coirmãos é uma forma de se sentir adulto e corresponsável. Quando alguém está em qualquer tipo de dificuldade, seu irmão não pode fingir que nada está acontecendo: o que se passa com alguém diz respeito a ele também. Sentir-se responsável não é apenas uma questão de generosidade, mas de um olhar atento e prestativo, como o do bom samaritano diante do homem ferido. Todo serviço, desde o mais simples, é sempre grande quando vivido com a generosidade do Servo, que tem consciência de estar doando um dom que recebeu.

Antes de nós viveram muitíssimos Irmãos/as, que preencheram suas vidas e seus dias com o privilégio e o prazer do serviço, edificando, assim, a fraternidade na qual agora vivemos. Graças a eles, a comunidade foi mãe para nós, apontando-nos o caminho e nos gerando no espírito do Instituto. O serviço deles é a nossa mais preciosa herança e legado. Não menos importante é permanecer na comunidade. Apaixonar-se pelo ideal é fácil, mas permanecer na fidelidade criativa e no amor agápico é mais desafiador, porque exige maturidade. O que significa permanecer na comunidade?

  • Permanência física (participação efetiva nos seus atos comuns, entendida não como simples presença passiva, mas ativa, criativa e inspiradora): na oração, nas refeições, no trabalho, na reflexão comum, na missão.
  • Estar presente e se decidir a fazer isto com todo o próprio eu, com os próprios afetos e com a vontade de continuar a viver aí, por ser minha família, a minha casa, o lugar, o habitat que Deus preparou para mim. Aqui vou morar, porque o desejei (Sl. 132, 14).
  • Exercer o apostolado em nome da comunidade. O apostolado não lhe pertence, não só porque anuncia uma Palavra que não é sua, mas porque é a comunidade que recebeu o mandato e é titular de uma ação apostólica específica. Por isso, importa manter a comunidade informada sobre o trabalho exercido, sem omissões. Permanecer na comunidade quer dizer, ainda, ter a coragem de ficar, mesmo nas circunstâncias difíceis ou quando parece melhor emigrar. Este é o lugar em que Deus me colocou, me confiou certa responsabilidade em relação aos outros e onde, portanto, espera que eu trabalhe junto com os Irmãos/as que Ele me deu (cf. A. Cencini, 1998 e 2003).

Concluindo, deixo duas perguntas que podem contribuir no aprofundamento de toda esta temática:

  1. De que forma podemos visibilizar a parábola viva do Reino de Deus que somos chamados a ser?
  2. ) Que critérios devemos ter em conta para sermos signum fraternitatis no meio em que vivemos?

 

Referências bibliográficas

 

– CENCINI, A. – A vida Fraterna em Tempos de nova evangelização – Ed Paulinas

– CENCINI, A.  –  Integração comunitária  do bem e do mal – Ed. Paulinas

– CENCINI, A. – Vida Fraterna: Comunhão de santos e pecadores – Ed. Paulinas

– GARCIA PAREDES, J. C. R. – Teologia de La Vida Religiosa – Ed. BAC

– GARCIA PAREDES, J.C.R. – Otra Comunidades possible: Bajo el liderazgo del Espiritu    Ed. Claretianas

– KEARNS, L. – Teologia da Vida Consagrada – Ed. Santuário

– LONERGAN, B. – Il método in Teologia – Ed. Querigniana

– MANENTI, A. – Vivere insieme – EDB

– MCLUCHAN, Marshall – Os meios de comunicação como extensão do homem – Ed Cultrix

– MESTERS, C. – Por trás das palavras – Ed. Vozes

– OLIVEIRA, J. L. – Vivir los votos en tiempos de posmodernidad – San Pablo

– RULLA, L – Antropologia da Vocação Cristã – Ed. Paulinas

– “Uma dinâmica de discernimento na Igreja Sinodal”, disponível para download in www.synod.va>infografics>conversatio

“2º. Encontro virtual de Assessores da CVX – Brasil (19/08/2023”, que se encontra disponível para download in https://cvx.org.br/segundo-encontro-virtual-de-assessores/

– Papa Francisco: A fofoca numa comunidade impede o perdão  in https://www.bethania.com.br/noticias/papa-francisco–a-fofoca-numa-comunidade-impede-o-perdao

Revista CLAR, Año LXI – no. 4/Octubre-Diciembre 2023 – disponível para download in www.clar.org

 

– Documento Lumen Gentium

– Documento Vida Fraterna em Comunidade

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